Resumo Tese/            

Esta tese teórico-prática tem como génese a vontade de compreender, analisar e problematizar a dimensão fenomenológica do meu processo criativo; possuo uma produção artística sendo que parte significativa dela posiciona-se na liminaridade do desenho, da gestualidade gráfica e da pintura enquanto repositório crítico de ações pictóricas. Esse trabalho autoral que é prévio a esta investigação desencadeou, na sua condição simultânea de operação e produto, de acontecimento e objeto, um gradual questionamento que, através desta investigação, pretendo sistematizar e clarificar.A análise do mundo, seja no seu ethos político, estético ou filosófico é a origem e o grau zero do ato criativo, ou seja esse ato existe como reação e ação sobre o dado, sobre o comprovado, sobre a exterioridade do perigo (a experiência), sobre o alogismo entrópico do mundo concreto. A Arte, guarda-chuva ou nome coletivo de ações mais próximas e mais verossímeis no indefinível, de ações cuja condição é poética, acontece, concretiza-se, invariavelmente no espaço-tempo histórico; este em que vivemos é o lugar de convergência de múltiplos incidentes da revolução tecno-científica desde a crise climática e a evidência de um planeta exaurido, desde o corpo biopolítico de novo em trânsito cultural e político para a dualidade da autoperfeição estética ou da emancipação existencial - e onde a imagem trompe l’oeil, a imagem que atraiçoa o aparente, se reconstituiu como uma impertinente força simbólica por via das redes sociais-, desde a revolução digital e dos novos motores de invenção, racionalização e padronização não só da linha de montagem - por via da automatização e da robotização- mas de toda a experiência humana como a conhecemos- e onde a subjetividade e criatividade dessa experiência se confronta com o seu espelhamento mimético numa outra realidade, a inteligência artificial. Estamos em vias de extinção mas ao mesmo tempo estamos a criar um mundo (virtual, de uma facticidade desmaterializada) onde cada vez mais o código genético e os sistemas celulares serão substituídos por placas eletrônicas e softwares. Dentro deste contexto bipolar- do fim irredutível deste mundo e de um novo mundo distópico onde a condição humana parece ainda mais recessiva- o autor, aquele que autoriza, que origina, que instiga, que aumenta, não pode permanecer indiferente. Eu não permaneço indiferente e entendi que perante a realidade das ferramentas digitais de desenho que já são uma presença real no meu processo criativo tinha que incorporar nesta pesquisa o embate pessoal e o efeito na minha capacidade criativa da dialética entre o analógico e o digital. Pretendi, então, demonstrar, também, nesta Tese as possibilidades de utilização dos novos meios tecnológicos numa simbiose e/ou em diálogo com os meios tradicionais da representação gráfica e pictórica. O desenho gestual e a sua relação com o legado de Nicolaides assim como a sua relação com a tradição milenar da pintura oriental de Shitao, levam a uma linha de investigação que procura entender esse tipo de processo e a importância do mesmo, relacionando-o com a questão do(s) funcionamento(s) da memória e com os novos meios. De modo a estruturar teoricamente esta Tese um conjunto de autores de várias áreas do conhecimento são interpeladas sendo os seus trabalhos interligados por forma a sustentar as reflexões apresentadas. O pensamento plástico centrado no desenho, sempre esteve presente na minha produção artística, tendo por base uma investigação e reflexão contínua sobre os binómios: desenho/desenho gestual; espelho/ecrã; memória/corpo e analógico /digital. A forma como o corpo tem uma implicação direta no processo da performatização do gesto, da sua expressão, assim como na procura intuitiva do saber fazer, enquadrada numa abordagem que abarca um espectro total de interdependências permitem compreender o processo base criativo e a presença do desenho como um dos suportes estruturais do fazer artístico. A investigação realizada procura, igualmente, abarcar um conjunto de relações e interdependências, que levam a pensar a presença do desenho como práxis intermediária entre o analógico e o digital. A presença do desenho num mundo contemporâneo digital e a apetência do desenho gestual para transpor os meios e suportes já que os utiliza como suporte dual. A relação entre a resposta emocional integrando o corpo e a sua resposta fenomenológica intuitiva em que ambas se tornam elementos atuantes do fazer, numa primeira instância, e posteriormente integram a capacidade do pensar racionalmente sobre o resultado obtido, potenciam o desenho gestual como elemento preponderante na sua relação casuística com suporte(s) e com o tempo. Desenho esse que acaba, portanto, por ter tanta importância no mundo digital como nos processos tradicionais analógicos, sendo assim um processo transversal à forma de pensar o mundo e de fazer mundo(s).